sábado, 2 de agosto de 2008

Desafio nº 2: Ensino público em Santa Maria - RS


Melhorar o ensino público é um desafio a quem governar a cidade Santa Maria - RS. Entre os problemas está a falta de estrutura em algumas escolas

Texto: Fernanda Mallmann (Diario de Santa Maria, 2 /08/ 2008)

O prefeito que tomar posse no dia 1º de janeiro do próximo ano já pode colocar na sua agenda de compromissos o seguinte recado: "Devolver a esperança para a Deise". Os três candidatos que estão na disputa pela prefeitura de Santa Maria provavelmente não conhecem Deise Stefanie da Rosa Trindade, 12 anos, aluna do 7º ano da Escola Municipal Professor Sergio Lopes, na Vila Renascença. Mas Deise tem muito a ensinar. Estudante de escola pública, ela conhece bem as dificuldades do ensino que não é pago.Não será fácil convencer Deise que as escolas públicas podem viver outros tempos. Ela é estudante do mesmo colégio municipal desde a pré-escola, o que lhe dá autoridade para falar dos problemas. Ainda cedo, Deise começou a perceber que o ensino público é deficiente. Quando criança, a pracinha da sua escola, que fica às margens do Arroio Cadena, já era precária.


Hoje, os mesmos brinquedos continuam no pátio da Sergio Lopes, ainda mais danificados do que na sua infância.- No mínimo, deveria ter uma boa pracinha para as crianças em cada colégio - diz Deise.As séries passaram, e a escola de Deise praticamente parou no tempo. O prédio não foi ampliado nem recebeu melhorias de infra-estrutura. Nas seis salas de aula que atendem aos 150 alunos nos turnos da manhã e da tarde, o assoalho é ruim. Toda vez que o parquê estraga, os buracos são cobertos com cimento, porque sai mais barato. Uma medida de economia necessária diante da escassez de recursos. Em 2003, foi aprovada a Lei de Autonomia Administrativa, que estabelece, entre outras coisas, a liberação de uma verba em dinheiro, calculada com base no número de alunos, para cada escola municipal. Para a Sergio Lopes, o recurso fica em cerca de R$ 450 mensais.- Com esse dinheiro, só pagamos a água, a luz, a merenda e os funcionários. O restante todo tem de ser pago com essa verba: a fechadura que precisa ser trocada, os consertos gerais, o gás, os produtos de limpeza, o material pedagógico, tudo. Nossa escola é antiga e sempre precisa de reparos. Acaba sendo um valor muito baixo - diz a diretora, Liris Maria Diefthaler.Como seria bom ter laboratórioO recurso limitado também não permite outras melhorias. A disciplina de educação física é feita em um campo, ao lado do prédio da escola. Como a área não é coberta, os alunos só podem praticar o esporte proposto pelo professor quando há tempo bom e o campo está seco. A falta de uma área fechada dificulta ainda a hora do intervalo. Quando chove, os alunos precisam ficar na sala de aula ou no corredor.Infra-estrutura falta também a outras disciplinas. A Sergio Lopes, apesar de atender crianças da pré-escola até adolescentes do 9º ano, não tem um laboratório de ciências. Conforme a direção da escola, quando o professor quer fazer uma atividade diferente, precisa trazer o material de casa. A mesma solução se aplica às aulas de artes. A condição faz com que sobrem expectativas, mas sem chances de serem atendidas.- Eu nunca vi um laboratório de ciências, mas acho que é um lugar onde se faz experiências.


Uma vez a minha professora trouxe um microscópio para a aula para a gente ver as bactérias, e isso foi muito legal - lembra.Mas, mais do que laboratórios, Deise, estudante que gosta de ler, ressente-se da falta de uma biblioteca. Não que a escola não tenha livros. Eles existem, embora a direção não saiba informar quantos são, pois não há bibliotecário na escola para catalogá-los. No entanto, o acervo está guardado em uma estante, que fica dentro do salão de festas da escola, onde também já estão o refeitório e uma sala de aula de turma da pré-escola improvisada. Por isso, a biblioteca não é um local onde o estudante pode sentar e pesquisar. Ela é apenas um local para a troca de livros, uma vez a cada semana.Para Deise, o quadro geral da sua escola e das outras que se encontram em situação parecida pode mudar.- O que precisa é o governo colocar dinheiro na educação. Eu gosto da minha escola, mas acho que ela poderia ser melhor - reflete.De olho no futuroDeise, que se orgulha das notas boas no boletim e de nunca ter repetido um ano na escola, ainda estudará dois anos na Sergio Lopes. Tempo para que o novo prefeito mostre que é possível oferecer uma escola melhor para quem não tem condições de pagar o ensino particular. Filha de pedreiro e dona-de-casa, depois, ela pretende fazer Ensino Médio, que também precisará ser em escola pública. Mais tarde, Deise sonha com a faculdade. Ela quer ser professora.- Desde pequenininha, eu tenho esse sonho. Quero ser professora de crianças pequenas para ensinar direitinho as coisas básicas que se precisa saber bem para ir para outras séries.Como estudante ou futura professora, Deise deve continuar sendo uma fiscal da educação.(Des)Inclusão digitalUm dos maiores desafios para os novos governantes será a inclusão digital. E, por meio dela, a modernização do ensino em relação àquele que era oferecido há cerca de 10 anos, quando computadores e Internet ainda não estavam incorporados ao dia-a-dia das pessoas. Especialmente em escolas de periferia, onde as comunidades são pobres, se os estudantes não tiverem contato com a informática na escola, correm o risco de serem adultos a engrossar a lista dos analfabetos digitais.Na maior parte das escolas municipais, os estudantes se formam no Ensino Fundamental sem nunca terem tocado num computador. Segundo o Sindicato dos Professores de Santa Maria (Sinprosm), das 80 escolas de Santa Maria, apenas 28 têm laboratório de informática.Na escola onde Deise estuda, a Sergio Lopes, há uma sala fechada que professores e alunos esperam ver se tornar um laboratório de informática. No local, estão teclados, monitores e CPUs cobertos por panos. Se montados, podem formar três computadores. A escola recebeu o material de doações. Agora, o desafio é reunir as economias da escola para conseguir a instalação das bancadas e da parte elétrica.A intenção da direção da Sergio Lopes, depois que a sala estiver completa, é conseguir levar a Internet para o colégio e deixar os computadores à disposição dos alunos para pesquisas. A comunidade da Renascença também será beneficiada.No que diz respeito à merenda, a escola ganha R$ 650 para preparar a refeição que os alunos recebem no intervalo. O recurso, conforme a direção, não é alto, mas é suficiente. Como na Sergio Lopes, nas demais escolas municipais todos os alunos têm direito à merenda. O valor repassado mensalmente a cada colégio é baseado no número de estudantes. Conforme o Sinprosm, as escolas têm recebido sem atraso.

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